domingo, 15 de setembro de 2013

Não voltará


Eu sabia que não devia ter sucumbido a essa vontade. Esse desejo inexplicável de revê-lo. Ele que me fez tão mal. Ele que me quebrou em mil pedaços impossíveis de recuperar.

Eu sabia que não deveria estar aqui na frente dele mais uma vez. Mas já havia pensado e ponderado muito a respeito e a falta que eu sentia era maior do que todo o ressentimento. Eu queria poder apagar o passado e refazer tudo como se aquele terrível dia nunca tivesse existido. Não podia, não tinha esse poder de mudar o que já fora. Nem eu, nem ninguém. Então só me restava esse sentimento ruim banhado de lembranças boas que tentavam suplantar todo o que não deveria ter existido.

Toquei seu rosto como se fosse a beleza de um arcanjo a qual eu observava com demasiada atenção. Eu sei que ele não é tudo isso, mas naquele momento fora. Não trocamos sequer uma palavra. Palavra nenhuma seria suficiente. Nada seria o suficiente. Por isso mesmo nos permitimos aquele toque.

Não só aquele toque, todos os que vieram depois também. Eu queria gritar e socar cada parte que pudesse do corpo dele, mas consegui apenas aproximar-me mais e deixar que ele tocasse meus lábios com os seus. Que tocasse minha pele com aquelas mãos que sempre permiti que me tocassem. Consegui apenas respirar mais e mais fundo com a intenção de gravar ainda mais na memória o aroma que eu já conhecia tão bem.

Minhas mãos, assim como as dele, permitiram-se passear pelo corpo o qual eu já sabia de cor. Meus dedos traçavam seus contornos e o arranhavam em uma tentativa falha de tentar acabar com toda aquela dor. Mas a dor física que eu o infligia jamais seria comparada a que ele me causou.

Seus lábios molharam cada mínima extensão da minha pele já suada; deixaram rastros que não seriam apagados tão facilmente, assim como as cicatrizes que ainda estavam espalhadas por todos os lados. Nossos corpos moveram-se com a sincronia dos que se conhecem com intimidade em demasia. Nossas mentes se conectaram naquele momento tão esplendidamente sublime e efêmero, enquanto, juntos – como em histórias de amor que nunca acreditei verdadeiras – alcançamos o desprender das almas e a pequena morte dos corpos.

Eu sabia que a partir dali não havia meio de voltarmos atrás, tampouco de voltarmos ao que sempre fôramos. Um passado quase tão remoto quanto a última batida de nossos corações.


Minha mente sempre tão quieta às palavras tinha vontade gritar ao mundo como aquilo não poderia ter acontecido; como tudo era errado e que ele não tinha o direito de fingir que também não se importava. Porque eu via que ele se importava. Que ele sempre se importara, mesmo enquanto quebrava tudo o que havíamos construído, ele se importou. E eu pude ver o arrependimento tingindo-lhe a face no momento seguinte, mas eu já não me importava mais. Tudo já estava desfeito e o que restou foram dores e saudades. Saudades de algo que nunca voltará, mesmo que continuemos com visões mudas e táteis de nós mesmos.